Depressão: como diferenciar da tristeza e identificá-la em pessoas autistas
*Artigo de autoria de Dr. Rodrigo Silveira em parceria com a equipe do Instituto Singular
Muitas pessoas têm dificuldade em compreender as diferenças entre a tristeza e depressão. Por isso, neste artigo, você verá as principais características desses termos – além de questões importantes sobre a depressão em crianças e pessoas com autismo. Vamos lá?
A tristeza é uma emoção comum a todos nós. Quando perdemos algo ou alguém que amamos, é natural se sentir triste. Como as demais emoções, ela ocorre como uma sinfonia de acontecimentos no corpo: nossa energia diminui e nossa percepção do mundo fica mais acinzentada.
Em pequenas doses e por tempo curto, a tristeza tem a sua importância nas necessárias transformações que vivemos ao longo da vida. Porém, quando se apresenta num estado emocional continuo, ela pode significar que estamos em depressão.
A tristeza na sua forma patológica, a depressão é um grande problema para aqueles que são diagnosticados com ela. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo menos 300 milhões de pessoas apresentam sintomas depressivos – sem contar que, nos próximos 20 anos, a se tornará a doença mais comum do mundo, afetando mais pessoas do que qualquer outro problema de saúde, incluindo câncer e doenças cardíacas.
Como vimos, a depressão é uma das causas que mais incapacita as pessoas para desempenharem suas atividades no mundo todo. Os custos para toda sociedade do transtorno depressivo são enormes: ao longo de meses, os indivíduos começam a perder suas esperanças em se sentirem bem novamente.
Além da falta de esperança, temos a falta de energia e a incapacidade de sentir prazer até nas atividades mais estimadas. Por consequência, cria-se um ciclo doloroso, que se arrasta ao longo dos dias e em qualquer lugar – no trabalho, na academia, nos encontros com amigos… Até que todas essas coisas começam a se arrastar também.
Entretanto, é importante ressaltar que, apesar de chamar a depressão de “tristeza patológica”, ela não é o mesmo que a tristeza!
Então, quais são as diferenças?
A depressão se caracteriza por uma tristeza contínua, com intensidade capaz de desestabilizar o indivíduo por semanas, meses ou até anos. É importante lembrar que ela é considerada um transtorno psicológico e precisa de acompanhamento profissional, feito por um médico psiquiatra e/ou psicólogo. Outro principal sintoma da doença, além da melancolia, é a perda de interesse em atividades que antes gostava, podendo afetar diversos aspectos da vida, como familiar, escolar e de trabalho.
De forma diferente da tristeza, a depressão na maioria das vezes acontece sem motivos específicos. Outros sinais que podem ajudar a identificar uma pessoa depressiva são: dificuldade para se concentrar, pensamentos negativos e, em casos mais graves, pensamentos suicidas. Nestes casos, a interferência profissional é urgente e não pode ser adiada.
A tristeza, portanto, é um sentimento normal, como as demais emoções. Ela se caracteriza por passar rápido e os seus sintomas são a vontade de chorar, sentimento de impotência, desilusão e angústia. Pode-se dizer que o mais pleno gozo da saúde é quando estamos tranquilos e, quando os diferentes estados emocionais como alegria e tristeza aparecem e desaparecem, não nos sentimos desequilibrados.
Além disso, a tristeza enquanto emoção pode estar relacionada a um evento específico. Dessa maneira, quando estamos com saúde, é natural sentirmos tristeza quando temos alguma perda e, depois de algum tempo curto, restabelecermos nossa paz interior.
Pessoas autistas e depressão: atenção aos detalhes
Assim como qualquer outra pessoa no mundo, uma pessoa no TEA pode desenvolver a doença. Infelizmente, a incidência da depressão em autistas é mais comum do que imaginamos: de acordo com a OMS, pelo menos 13% da população com algum diagnóstico de TEA apresenta sinais da doença. Outro estudo, desta vez publicado no Journal of Anormal Child Psychology, concluiu que quase metade dos adultos com autismo sofrerá com depressão em algum momento da vida.
Como dissemos, a depressão em pessoas no TEA é muito comum, porém, é pouco discutida entre os demais. Isso acontece por diversos fatores, mas o principal deles é a dificuldade de se diagnosticar a depressão em uma pessoa com autismo. Antes de desenvolvermos este tópico, é importante ressaltar que de maneira nenhuma isso acontece por falta de atenção dos pais ou profissionais que acompanham aquele indivíduo, tudo bem?
A depressão tem uma série de sinais que podem ser confundidos, muitas vezes, com características do TEA, em especial a dificuldade de expressar sentimentos e a introversão. A demora no diagnóstico dessa doença numa pessoa com autismo, sobretudo do nível 1 de suporte, pode deixar essas características ainda mais intensas, comprometendo muitos progressos feitos ao longo das intervenções.
O que leva uma pessoa autista a desenvolver depressão?
Uma pessoa autista, como qualquer outra, pode desenvolver essa doença sem uma razão específica. Como nós já bem sabemos, o autismo não impede que o indivíduo sinta as emoções – elas apenas são interpretadas e expressadas de maneira diferente. Ainda assim, existem alguns fatores que podem contribuir para esse quadro:
- Bullying: na escola ou no trabalho;
- Percepção das limitações impostas pelo TEA;
- Dificuldades de socialização;
- Dificuldades cognitivas;
- Mudanças de rotina;
- Desregulações sensoriais.
Por isso, é importante não estar atento somente aos sinais que o autista demonstra, mas também os ambientes que ele frequenta, a forma como – caso ele tiver consciência do diagnóstico – ele lida com o TEA e suas reações às possíveis mudanças de rotina ao longo dos dias.
Sinais de depressão em indivíduos com TEA
Agora que você já sabe alguns dos motivos que podem levar ao desenvolvimento da depressão em pessoas com autismo, é necessário saber quais são os sinais que podem denunciar essa situação.
Antes de listarmos, é importante ressaltar que cada indivíduo se expressa e lida com seus sentimentos de uma forma. Esta lista contém algumas características geralmente identificadas, mas ninguém melhor que os mais próximos para perceber atitudes e falas suspeitas. Sendo assim, a maior dica que deixamos é: se atente às mudanças de comportamento e não hesite em procurar ajuda profissional, combinado?
Alguns sinais de depressão geralmente identificados em pessoas com autismo:
- Regressão em habilidades e comportamentos desenvolvidos ao longo das intervenções;
- Falta de ânimo para fazer as atividades favoritas;
- Falta de vontade de seguir a rotina;
- Hiperfoco e falas repetitivas sobre situações negativas – seja da vida pessoal ou de assuntos como morte e tristeza;
- Falta de autocuidado;
- Agressão e hiperatividade.
Como lidar e ajudar uma pessoa com autismo diagnosticada com depressão?
Primeiro, comunique aos profissionais de intervenções e educadores sobre o quadro depressivo. Certamente, conhecendo e respeitando as características únicas daquela pessoa, eles terão bons conselhos para ajudá-la de maneira específica.
Segundo, não pressione o indivíduo sobre desenvolver novamente as habilidades regredidas, ou a seguir a rotina. Crie um ambiente seguro para a demonstração de sentimentos e recuperação, afinal, a depressão é uma doença e precisa ser cuidada – e não forçamos nenhuma pessoa gripada ou acamada a voltar sua rotina rapidamente, não é mesmo?
Depressão infantil: ela existe e precisamos estar atentos!
Apesar de estarmos mais acostumados a ver adultos serem diagnosticados com depressão, a população infantil não está livre da possibilidade de sofrer com a doença. De acordo com a OMS, no mundo, a depressão entre crianças na faixa dos seis aos 12 anos saltou de 4,5% para 8% na última década.
Nesses casos, o diagnóstico é ainda mais complicado em seu desenvolvimento, tendo em vista que os sinais que as crianças em depressão demonstram podem ser facilmente confundidos com teimosia, braveza ou preguiça. O estado depressivo, se não tratado, pode afetar toda a vida daquele indivíduo.
A depressão na infância não é simplesmente um distúrbio de regulação do humor; também envolve alterações na fisiologia e nas funções cognitivas e sociais das crianças e requer a compreensão dos processos de integração do desenvolvimento em vários níveis de complexidade biológica, psicológica e social nos indivíduos. (Avanci, J., Assis, S., Oliveira, R)
Por isso, é necessário estarmos atentos aos sinais que as crianças com depressão podem nos dar. Eles vão se alterar de acordo com a faixa etária dos pequenos, de acordo com a capacidade deles se expressarem e compreenderem suas emoções. Dentre eles, podemos citar:
- Sonolência exagerada e constante;
- Atraso na linguagem;
- Falta de ânimo para brincar;
- Birras e irritabilidade sem razão aparente;
- Dificuldade para dormir e pesadelos frequentes;
- Falta ou exagero de apetite;
- Choro fácil e exagerado;
- Incontinência urinária ou fecal;
- Medo e dificuldade de se separar dos pais;
- Fraco rendimento na escola;
- Sentimento de inferioridade.
Como lidar com uma criança com depressão?
Apesar do quadro nos assustar no início, o importante é não se desesperar e demonstrar apoio ao pequeno. Sendo assim, mostre-se disponível para conversar, compreensível acerca dos sentimentos da criança incentive-a a retomar atividades que lhe deixavam feliz. Exalte sempre as suas qualidades e conquistas e, quando necessário, corrigi-la com amor e respeito.
Além disso, mantenha a rotina da casa, os horários de sono, de despertar, de alimentação, de obrigações e de lazer. Desta forma, a criança vai entender o ambiente familiar como previsível e seguro, adequado para demonstrar seus sentimentos. Procure regular o tempo de tela e uso de eletrônicos e observe-a com bastante atenção. Por fim, o mais importante: não hesite a ajuda de um profissional e mantenha todos os adultos e cuidadores presentes na vida da criança (babás, professores e familiares) informados de seu quadro.
Devemos normalizar a tristeza em alguns momentos!
Sendo assim, ficar triste faz parte da nossa natureza e não precisamos – e nem devemos – evitá-la a qualquer custo. Quando olhamos retrospectivamente para nossa vida, percebemos que os momentos em que tivemos tristes foram de grande aprendizado e transformações positivas. Quando erramos e tomamos consciência dos nossos erros, ou quando percebemos que a vida nem sempre é como a gente quer, certamente ficamos tristes. Nestes momentos, entretanto, podemos nos tornar pessoas melhores e mais bem adaptadas aos percalços da vida.
Por fim, o que nós precisamos evitar é a tristeza patológica, ou seja, a depressão. Para isso, precisamos exercitar nosso corpo e fortalecer nossos laços afetivos. Além disso, precisamos aceitar que ficar triste às vezes faz parte da vida, e que podemos aproveitar os momentos de tristeza para aprendermos com os acontecimentos. Mas é claro: não deixe de procurar ajuda profissional nesses casos, combinado?
Referências
- Avanci, J., Assis, S., Oliveira, R. et al. CHILDHOOD DEPRESSION. Exploring the association between family violence and other psychosocial factors in low-income Brazilian schoolchildren. Child Adolesc Psychiatry Ment Health 6, 26 (2012). https://doi.org/10.1186/1753-2000-6-26